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Quando ele me chamou de mãe

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Sou mãe de um menino de onze anos. Meu menino. Esperto, lindo e cheio de vida. Mas ele carrega nos ombros uma bagagem que não pertence a nenhuma criança. Uma bagagem que o tempo, a fome, a ausência e a solidão colocaram sobre ele. Ele sabe o que é sentir fome. Sabe o que é não ser cuidado. Sabe o que é andar sozinho por aí, indefeso, tendo apenas a si mesmo. Antes de chegar à minha vida pela adoção, ele viveu capítulos que eu daria tudo para reescrever. E talvez por isso, até hoje, tenha dificuldade de me chamar de “mãe”. Essa palavra parece morar numa prateleira alta demais, inalcançável para ele. Mas na madrugada de sábado para domingo, algo aconteceu. Ele estava com febre. Dormia inquieto, murmurando palavras que vinham de algum lugar entre sonho e delírio. Eu estava ali, ao lado dele, cuidando, sentindo sua respiração quente, atenta a cada movimento. E então… aconteceu. Ele me chamou de Mãe . Foi só uma vez. Baixinho. Quase como se fosse para si mesmo. E naquele instante, o ...

Quando é sempre a gente que cede: o peso invisível que carregamos em silêncio

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Mais uma vez, sou eu quem cede. Quem respira fundo, guarda pra si e tenta não desmoronar. Não porque gosto de evitar conversas, mas porque simplesmente não temos espaço pra isso. A rotina não permite. A casa está cheia de demandas, e mais uma vez deixamos o que é nosso de lado. Eu estou magoada. Estou chateada. E, sinceramente, cansada de sentir que me anulo todos os dias. Conheço todos os meus defeitos. Vivo tentando me podar, controlar o que digo, como digo, como ajo, pra não te deixar incomodado. Evito até contar tudo o que me acontece no dia a dia, porque sei que determinadas interações minhas te incomodam. O curioso é que, quando é você quem compartilha, eu escuto, acolho, não reajo com incômodo. Não me sinto no direito de te podar. E talvez seja isso o que mais me dói: a sensação de que só um lado está tentando não incomodar. Não estou feliz. Já falei antes e continuo dizendo. Você coopera, ajuda com a casa, com algumas coisas do cotidiano, mas isso é o básico. Porque eu não mor...

Quando a gente para de dançar: sobre se libertar dos rótulos e reencontrar a própria alegria

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Você já sentiu que, em algum ponto da vida, deixou de ser quem realmente é? Que se perdeu aos poucos, sem perceber, tentando se encaixar em padrões que nem te pertenciam? Às vezes, sinto que passei tanto tempo sendo o que esperavam de mim, que esqueci como era simplesmente ser. Desde pequena, sempre fui mais séria do que as outras crianças da minha idade. Enquanto a maioria estava rindo alto ou correndo por aí, eu era mais observadora, mais quieta — e isso fez com que muitas pessoas criassem uma imagem sobre mim que nem sempre correspondia ao que eu realmente sentia. Com o tempo, esses rótulos foram se acumulando: a madura, a centrada, a que não se diverte, a que não brinca. E mesmo gostando de dançar, de cantar, de estar com crianças e me permitir rir, fui guardando essas vontades num lugar escondido dentro de mim. É como se, inconscientemente, eu tivesse começado a acreditar que a minha alegria era inadequada. Que minha espontaneidade era estranha. Que eu precisava me conter. Hoje, j...

E se fosse o meu filho ali?

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Ontem de manhã, enquanto tomava meu café em um quiosque de terminal de ônibus, um rapaz se aproximou de mim. Devia ter uns 22 anos, talvez menos. Jovem, com o olhar cansado e o corpo magro de quem carrega muito mais do que devia. Ele me pediu algo para comer. Comprei um bolo, ele agradeceu com simplicidade e se afastou. A cena durou poucos minutos, mas dentro de mim, durou o dia inteiro. Eu sempre fui uma pessoa atenta. Sempre observei o mundo com um olhar questionador, reflexivo. Mas depois que me tornei mãe, tudo passou a ter uma outra camada. Me tornei mais sensível. Mais aberta. Mais vulnerável, talvez. E ali, naquele terminal onde a vida corre sem pausa, fui tomada por uma pergunta que me paralisou por dentro: e se fosse o meu filho ali? Sou mãe por adoção. Uma escolha consciente e transformadora. E mesmo sabendo que não sou a salvadora de ninguém, essa experiência me deu novos olhos. Penso com frequência sobre o caminho que meu filho teria seguido se não tivesse sido acolhido. Qu...

Quando o Desânimo Chega e Fica

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Faz quase um mês que não escrevo. E isso me pesa. Já falei aqui outras vezes que esse blog é minha terapia, meu refúgio, meu lugar de cura. Mas, às vezes, até a cura encontra barreiras. E a minha, ultimamente, tem tropeçado em silêncios que não consigo atravessar. O processo de ressignificar a dor exige muito mais do que coragem – exige fôlego. E nem sempre eu tenho. Ando extremamente desanimada. Um tipo de desânimo que não se resolve com uma boa noite de sono ou um café forte. É um cansaço que esgota a alma, que tira a vontade até de fazer o que antes me salvava. É como se as palavras tivessem se escondido de mim. Já se sentiu assim? Tão desanimada que parece que suas forças foram embora e a energia simplesmente não volta? Eu estou exatamente nesse lugar agora. Mas resolvi escrever mesmo assim. Não porque passou, mas porque ainda está aqui. E talvez, dividir esse sentimento seja também uma forma de enfrentá-lo. Escrever, mesmo que doendo, me devolve um pouco de mim. Às vezes, a gente ...

Quando meu filho tentou ser forte por mim

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Às vezes, sinto um medo que não sei explicar direito. Um medo que se instala devagar, mas ocupa tudo. Medo do meu filho se vincular tanto a mim, que se esqueça de si. Que cresça achando que precisa cuidar de mim, quando ainda está aprendendo a cuidar das próprias emoções. Que carregue o que não é dele, só porque me ama demais. No dia 23 de junho de 2025, nosso cachorro morreu. O Amarelo. Nosso amigo de todos os dias. Nosso companheiro de vida. Foi tudo tão rápido… e tão doloroso. Na véspera, quando o levamos às pressas ao veterinário, meu filho chorou. Chorou baixinho, mas com o coração. Era visível. Mas no dia seguinte, quando chegou a notícia da morte, ele ficou em silêncio. Sentou na cama, os olhos fixos em algum lugar distante, e repetiu a frase que aprendeu com a professora na aula de educação socioemocional: “A gente nasce, cresce, cumpre a missão e depois morre.” Ele disse isso mais de uma vez. Como quem tenta entender. Como quem tenta me fazer entender. E depois disso, ele tem ...

Quando a solidão mora dentro: sentir-se só mesmo cercada de amor

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Você já se sentiu sozinha mesmo estando cercada de pessoas? Eu já. E não foi só uma vez. Tem dias em que essa solidão me visita mesmo quando estou com meu marido, com meu filho ou no meio de uma roda de conversa. E não é que eu esteja desamparada. Eu tenho com quem contar, tenho quem me ame e quem eu amo profundamente. Mas existe uma solidão que vai além da presença física. É uma solidão que se instala por dentro, como se algo em mim estivesse sempre em falta. Às vezes, parece que estou desconectada do mundo. Como se tudo acontecesse ao meu redor, mas eu não fizesse parte de verdade. Como se eu fosse uma peça de quebra-cabeça que não se encaixa em lugar nenhum. Me sinto assim no trabalho, mesmo quando dou o meu melhor. Me sinto assim como mãe, mesmo ouvindo que sou uma mãezona. E me sinto assim como esposa, mesmo quando meu marido tenta se aproximar e me ajudar de todas as formas possíveis. Essa sensação me confunde. Me frustra. Me faz questionar minha capacidade de estar presente, de ...