Quando ele me chamou de mãe

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Sou mãe de um menino de onze anos. Meu menino. Esperto, lindo e cheio de vida. Mas ele carrega nos ombros uma bagagem que não pertence a nenhuma criança. Uma bagagem que o tempo, a fome, a ausência e a solidão colocaram sobre ele. Ele sabe o que é sentir fome. Sabe o que é não ser cuidado. Sabe o que é andar sozinho por aí, indefeso, tendo apenas a si mesmo. Antes de chegar à minha vida pela adoção, ele viveu capítulos que eu daria tudo para reescrever. E talvez por isso, até hoje, tenha dificuldade de me chamar de “mãe”. Essa palavra parece morar numa prateleira alta demais, inalcançável para ele. Mas na madrugada de sábado para domingo, algo aconteceu. Ele estava com febre. Dormia inquieto, murmurando palavras que vinham de algum lugar entre sonho e delírio. Eu estava ali, ao lado dele, cuidando, sentindo sua respiração quente, atenta a cada movimento. E então… aconteceu. Ele me chamou de Mãe . Foi só uma vez. Baixinho. Quase como se fosse para si mesmo. E naquele instante, o ...

Minha Infância

Minha infância não foi um conto de fadas, mas também não foi feita apenas de sombras. Meu nascimento não foi planejado e, de certa forma, fui o motivo do casamento dos meus pais. Mas, diferente do que muitos poderiam pensar, eles não se amavam. Eram jovens, imaturos (embora não se vissem assim) e incompatíveis. Ficaram juntos porque minha mãe engravidou, e isso fez com que o relacionamento deles fosse marcado por conflitos constantes.

Minha mãe, em sua luta pessoal, cedeu ao alcoolismo em várias ocasiões, e meu pai, apesar de cuidadoso, era enérgico ao impor regras. Cresci em um ambiente onde os gritos e os silêncios pesados se alternavam, e onde as emoções pareciam sempre à beira do descontrole.

Desde pequena, eu chorava com facilidade. "Manteiga derretida" e "melindrosa" eram alguns dos rótulos que me deram. Para os outros, minhas lágrimas eram exageradas, mas, dentro de mim, um furacão de sentimentos tentava se fazer ouvir. Medo. Solidão. A angustiante sensação de ser invisível. Eu não sabia como expressar isso de outra forma. Cresci acreditando que não podia dar trabalho, que precisava ser forte e ajudar onde fosse possível.

Ainda criança, assumi responsabilidades que talvez não devessem ter sido minhas. Aos oito anos, por exemplo, limpei o vômito da minha mãe para evitar que meu pai percebesse que ela havia bebido e, assim, prevenisse uma briga. Fui a filha que ajudava a pagar as contas e a irmã que cuidava dos irmãos. Eu os cobria durante a noite, temendo que sentissem frio. Eu os observava e me preocupava, porque queria que tivessem um pouco mais de leveza do que eu tinha.

Na adolescência, vieram as revoltas. Passei a culpar meus pais por tudo que eu sentia de negativo. Desenvolvi dificuldades em pedir ajuda, mesmo quando mais precisava. Conversar sobre questões importantes tornou-se um desafio, pois o medo de errar e de ser julgada era constante. Meu pai não tolerava erros e, para ele, se algo dava errado, a culpa era minha. Se eu expressasse tristeza, ele logo invalidava meus sentimentos. Assim, fui aprendendo a esconder minhas emoções. Engolia o choro, sufocava os gritos internos e sorria mesmo quando tudo doía.

Hoje, sendo mãe e esposa, olho para minha infância com olhos diferentes. A menina que um dia chorou sozinha hoje abraça seu filho com força e amor. A mulher que aprendeu a silenciar suas dores hoje busca dar voz aos seus sentimentos. Meus pais, com o tempo, mudaram. Minha mãe hoje está sóbria, e a relação entre eles se tornou mais pacífica. Mas as cicatrizes permanecem, e eu sigo no meu processo de cura. Compartilhar essa história é parte desse caminho.

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