E quando a gente dá tanto… e recebe tão pouco?

Minha infância não foi um conto de fadas, mas também não foi feita apenas de sombras. Meu nascimento não foi planejado e, de certa forma, fui o motivo do casamento dos meus pais. Mas, diferente do que muitos poderiam pensar, eles não se amavam. Eram jovens, imaturos (embora não se vissem assim) e incompatíveis. Ficaram juntos porque minha mãe engravidou, e isso fez com que o relacionamento deles fosse marcado por conflitos constantes.
Minha mãe, em sua luta pessoal, cedeu ao alcoolismo em várias ocasiões, e meu pai, apesar de cuidadoso, era enérgico ao impor regras. Cresci em um ambiente onde os gritos e os silêncios pesados se alternavam, e onde as emoções pareciam sempre à beira do descontrole.
Desde pequena, eu chorava com facilidade. "Manteiga derretida" e "melindrosa" eram alguns dos rótulos que me deram. Para os outros, minhas lágrimas eram exageradas, mas, dentro de mim, um furacão de sentimentos tentava se fazer ouvir. Medo. Solidão. A angustiante sensação de ser invisível. Eu não sabia como expressar isso de outra forma. Cresci acreditando que não podia dar trabalho, que precisava ser forte e ajudar onde fosse possível.
Ainda criança, assumi responsabilidades que talvez não devessem ter sido minhas. Aos oito anos, por exemplo, limpei o vômito da minha mãe para evitar que meu pai percebesse que ela havia bebido e, assim, prevenisse uma briga. Fui a filha que ajudava a pagar as contas e a irmã que cuidava dos irmãos. Eu os cobria durante a noite, temendo que sentissem frio. Eu os observava e me preocupava, porque queria que tivessem um pouco mais de leveza do que eu tinha.
Na adolescência, vieram as revoltas. Passei a culpar meus pais por tudo que eu sentia de negativo. Desenvolvi dificuldades em pedir ajuda, mesmo quando mais precisava. Conversar sobre questões importantes tornou-se um desafio, pois o medo de errar e de ser julgada era constante. Meu pai não tolerava erros e, para ele, se algo dava errado, a culpa era minha. Se eu expressasse tristeza, ele logo invalidava meus sentimentos. Assim, fui aprendendo a esconder minhas emoções. Engolia o choro, sufocava os gritos internos e sorria mesmo quando tudo doía.
Hoje, sendo mãe e esposa, olho para minha infância com olhos diferentes. A menina que um dia chorou sozinha hoje abraça seu filho com força e amor. A mulher que aprendeu a silenciar suas dores hoje busca dar voz aos seus sentimentos. Meus pais, com o tempo, mudaram. Minha mãe hoje está sóbria, e a relação entre eles se tornou mais pacífica. Mas as cicatrizes permanecem, e eu sigo no meu processo de cura. Compartilhar essa história é parte desse caminho.