Quando ele me chamou de mãe

Lembro-me como se fosse hoje. Era fevereiro de 2022 quando vi meu filho pessoalmente pela primeira vez. Eu, meu marido e ele — juntos, como uma nova família prestes a se formar. Passamos aquele final de semana em um misto de alegria, emoção e descoberta. Foi um tempo gostoso, leve, cheio de pequenas surpresas que, até hoje, moram com carinho na minha memória.
Parece bobo, mas uma das cenas mais marcantes daquele início foi vê-lo experimentando bacon pela primeira vez. O olhar curioso, o sorriso que surgiu sem ele perceber... aquele instante simples foi um símbolo do recomeço. Um recomeço para ele, para nós, para mim como mãe.
Logo naquela manhã, em um momento de descontração, me aproximei com afeto e fiz um gesto espontâneo: tentei acariciar a cabeça dele. Um carinho, um toque gentil — algo que para mim significava cuidado e presença. Mas ele se esquivou e encolheu o corpo num reflexo rápido e involuntário.
Naquele instante, meu coração apertou. Era como se seu corpo dissesse: “Não estou pronto.” E eu entendi. Entendi que o toque, que sempre foi para mim sinônimo de amor, talvez para ele fosse sinônimo de medo ou estranhamento. Aquele movimento me fez enxergar, com mais clareza do que nunca, que adotar é também acolher dores que ainda nem foram ditas. Que o vínculo não nasce do desejo, mas da construção diária, paciente e respeitosa.
Mais tarde, já à noite, veio um segundo momento marcante. Estávamos nos preparando para o banho, e perguntei com cuidado se ele gostaria que eu o ajudasse. Ele olhou para mim e respondeu com um “sim” direto, simples, mas cheio de significado.
Aquele foi, talvez, o nosso primeiro pacto de confiança. Um pedido de ajuda vindo dele. Uma pequena entrega, espontânea, sincera. Naquele gesto, senti que, apesar dos medos, ele estava disposto a me permitir ocupar um novo lugar em sua vida: o de mãe.
Ser mãe por adoção é uma escolha de amor. Mas não é um conto de fadas. Existe dor, histórias anteriores, marcas invisíveis que moram no corpo e no olhar da criança que chega. É preciso entender que a maternidade adotiva não começa do zero. Ela começa do meio. E nossa missão como mães é ajudar a transformar essas dores em pontes de afeto, segurança e pertencimento.
Desde aquele dia, eu soube: teríamos um caminho a percorrer. E esse caminho seria feito de muitos primeiros passos. O primeiro abraço, o primeiro "eu te amo", o primeiro pedido de colo sem medo. Cada um desses momentos se torna um marco, uma vitória silenciosa que só quem vive sabe o valor que tem.
Uma das maiores lições que aprendi nesse processo foi a importância do tempo. A construção do vínculo não acontece do dia para a noite. Ela é feita de repetição, constância, escuta e disponibilidade emocional. Como mães, queremos curar tudo de uma vez, mas às vezes nosso papel é apenas estar ali, presente, mesmo quando a criança ainda não consegue nos alcançar emocionalmente.
Se você é mãe por adoção ou está pensando em adotar, saiba: é possível construir uma relação sólida, verdadeira e cheia de afeto. Não há um manual perfeito, mas há muitas mães vivendo histórias parecidas com a sua — e uma rede de apoio pode fazer toda a diferença.
Hoje, ao escrever esse texto, revivo aquele final de semana de fevereiro com carinho. Ele foi o começo de tudo. Foi quando comecei a entender que o amor materno vai muito além do sangue — ele se revela no olhar paciente, no toque respeitoso, na presença diária.
A adoção me fez crescer como mulher, esposa e mãe. E, acima de tudo, me mostrou que todo vínculo pode ser reconstruído com tempo, verdade e amor.
Se você também vive a maternidade por adoção ou está trilhando esse caminho, compartilhe nos comentários sua experiência. Vamos criar juntas uma rede de apoio, empatia e acolhimento.
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