Quando ele me chamou de mãe

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Sou mãe de um menino de onze anos. Meu menino. Esperto, lindo e cheio de vida. Mas ele carrega nos ombros uma bagagem que não pertence a nenhuma criança. Uma bagagem que o tempo, a fome, a ausência e a solidão colocaram sobre ele. Ele sabe o que é sentir fome. Sabe o que é não ser cuidado. Sabe o que é andar sozinho por aí, indefeso, tendo apenas a si mesmo. Antes de chegar à minha vida pela adoção, ele viveu capítulos que eu daria tudo para reescrever. E talvez por isso, até hoje, tenha dificuldade de me chamar de “mãe”. Essa palavra parece morar numa prateleira alta demais, inalcançável para ele. Mas na madrugada de sábado para domingo, algo aconteceu. Ele estava com febre. Dormia inquieto, murmurando palavras que vinham de algum lugar entre sonho e delírio. Eu estava ali, ao lado dele, cuidando, sentindo sua respiração quente, atenta a cada movimento. E então… aconteceu. Ele me chamou de Mãe . Foi só uma vez. Baixinho. Quase como se fosse para si mesmo. E naquele instante, o ...

Quando meu filho tentou ser forte por mim

Forte por mim

Às vezes, sinto um medo que não sei explicar direito. Um medo que se instala devagar, mas ocupa tudo. Medo do meu filho se vincular tanto a mim, que se esqueça de si. Que cresça achando que precisa cuidar de mim, quando ainda está aprendendo a cuidar das próprias emoções. Que carregue o que não é dele, só porque me ama demais.


No dia 23 de junho de 2025, nosso cachorro morreu. O Amarelo. Nosso amigo de todos os dias. Nosso companheiro de vida. Foi tudo tão rápido… e tão doloroso. Na véspera, quando o levamos às pressas ao veterinário, meu filho chorou. Chorou baixinho, mas com o coração. Era visível.


Mas no dia seguinte, quando chegou a notícia da morte, ele ficou em silêncio. Sentou na cama, os olhos fixos em algum lugar distante, e repetiu a frase que aprendeu com a professora na aula de educação socioemocional:

“A gente nasce, cresce, cumpre a missão e depois morre.”

Ele disse isso mais de uma vez. Como quem tenta entender. Como quem tenta me fazer entender. E depois disso, ele tem passado os dias cuidando de mim.


Se me vê chorando, corre. Me olha com um carinho tão profundo que dói. Pergunta se eu estou triste, e mesmo quando eu digo que sim, que o luto é feito de tristeza também, ele se recusa a me ver assim. Tenta me distrair, me consolar. Como se estivesse determinado a me curar.


Mas ele não chorou mais. E eu vejo. Eu sinto. Ele guardou a dor. E, sem perceber, entregou toda a emoção dele para mim.


Isso me parte o coração de várias formas.


Porque eu sou a mãe, eu deveria ser o colo, o abrigo, a fortaleza. Mas aqui está meu menino, tentando ser tudo isso por mim. Como se ele precisasse ser forte, quando tudo o que eu quero é que ele se permitisse ser criança.


É um amor imenso, esse. Um amor que quer proteger tanto, que até se esquece de si. E é esse amor que me assusta às vezes. Porque não quero que ele cresça achando que precisa ser o meu chão, quando eu sou quem deveria garantir o dele.


Escrevo isso porque sei que talvez você, que é mãe como eu, já tenha vivido algo parecido. E se já viveu, te acolho. De verdade. Porque essa é uma dor que a gente sente em silêncio: ver um filho tentando carregar o mundo que não cabe nem em nós.


A maternidade tem dessas contradições. A gente cuida e também é cuidada. A gente ensina e aprende. E, às vezes, nossos filhos são tão amorosos que se esquecem de sentir o que precisam, só para tentar nos fazer sorrir.


Eu só queria que ele chorasse. Que dissesse que está triste. Que se deixasse desabar um pouco. Que soubesse, no fundo do coração dele, que está tudo bem sentir. Está tudo bem não ser forte. Está tudo bem amar e também sofrer por aquilo que se perde.


E eu sigo aqui, cuidando do meu luto e do dele também. Tentando, com delicadeza, mostrar que amar também é permitir que a dor exista. Que chorar é bonito. E que a missão do Amarelo, com toda certeza, foi cumprida: ele nos ensinou a amar sem medida.

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