Quando ele me chamou de mãe

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Sou mãe de um menino de onze anos. Meu menino. Esperto, lindo e cheio de vida. Mas ele carrega nos ombros uma bagagem que não pertence a nenhuma criança. Uma bagagem que o tempo, a fome, a ausência e a solidão colocaram sobre ele. Ele sabe o que é sentir fome. Sabe o que é não ser cuidado. Sabe o que é andar sozinho por aí, indefeso, tendo apenas a si mesmo. Antes de chegar à minha vida pela adoção, ele viveu capítulos que eu daria tudo para reescrever. E talvez por isso, até hoje, tenha dificuldade de me chamar de “mãe”. Essa palavra parece morar numa prateleira alta demais, inalcançável para ele. Mas na madrugada de sábado para domingo, algo aconteceu. Ele estava com febre. Dormia inquieto, murmurando palavras que vinham de algum lugar entre sonho e delírio. Eu estava ali, ao lado dele, cuidando, sentindo sua respiração quente, atenta a cada movimento. E então… aconteceu. Ele me chamou de Mãe . Foi só uma vez. Baixinho. Quase como se fosse para si mesmo. E naquele instante, o ...

Adotar uma criança maior: os primeiros momentos que a vida oferece

Primeiras vezes

Há quem diga que quando adotamos uma criança maior, perdemos o privilégio de viver os “primeiros momentos” de um serzinho bem especial. Que esses marcos — como as primeiras palavras, os primeiros passos ou o primeiro “mãe” — são exclusivos da maternidade biológica ou da adoção de bebês. Mas digo, com todo o amor e com a vivência de quem está nessa estrada há três anos eu digo: isso não é verdade.

Meu filho chegou até nós com quase oito anos. Hoje, tem onze. E, ao contrário do que muitos pensam, a nossa vida é repleta de primeiras vezes. Talvez diferentes daquelas que idealizamos, mas não menos emocionantes. Não ouvi ele me chamar de “mãe” pela primeira vez — na verdade, ele nunca me chamou de mãe, e talvez nunca chame. E tudo bem. Porque o vínculo que construímos vai muito além das palavras.

Desde que ele chegou já vivemos muitas primeiras vezes.

Lembro-me da primeira vez que fomos ao shopping. Ele experimentou chocolates com frutas — algo tão comum para muitos — mas inédito para ele. Suas expressões de descoberta e encantamento ainda vivem na minha memória. Foi como presenciar um novo mundo se abrindo diante dos nossos olhos.

Lembro da primeira vez que ele conseguiu dizer “Amarelo” direito. É o nome do nosso cachorro, e ele sempre falava “Amalelo”. Quando conseguiu pronunciar corretamente, eu chorei. Parece bobo para quem vê de fora, mas é uma dessas conquistas invisíveis que carregam muito esforço, paciência e afeto.

E como esquecer o dia em que tirou nota 8 em matemática, sem ajuda de ninguém? As professoras vibraram, eu vibrei, e ele — ah, ele — sorriu com um orgulho tímido e sincero. Aquela nota foi mais do que um número. Foi superação. Foi vínculo. Foi amor.

Somos família há três anos. Não foi fácil, e ainda não é. A adaptação é um processo, às vezes lento, às vezes dolorido, mas sempre possível quando há entrega verdadeira. Ainda temos muito a percorrer, muito a aprender juntos — mas cada passo tem valido a pena.


🤍 Conclusão:

Adoção tardia é amor que aprende, que constrói e reconstrói. Não é ausência de primeiras vezes. É um convite para enxergar que a vida, em sua simplicidade, nos oferece novas estreias todos os dias. Basta estar presente, com o coração aberto, para reconhecê-las. 

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