E quando a gente dá tanto… e recebe tão pouco?

Minha infância foi marcada por conflitos, ruídos, descompassos. Mas também teve seus respiros — e os mais doces vieram da casa dos meus avós maternos. Era nas férias que eu encontrava ali um tipo de paz que eu não sabia nomear, mas sentia no corpo. E é sobre uma dessas lembranças que eu quero falar hoje: escolher feijões com a minha avó.
Sentávamos lado a lado, geralmente em frente a mesa da cozinha. Ela espalhava os grãos sobre uma peneira e com calma — sem pressa de quem tem o tempo como aliado — começávamos a tarefa de separar os bons dos ruins. Era quase um ritual. Um momento de silêncio confortável, de conexão silenciosa e afeto simples.
Hoje, já adulta, mãe, esposa e tantas outras versões de mim mesma, percebo que aquele gesto singelo de escolher feijões era mais que uma ajuda doméstica. Era uma lição de vida. Separar os grãos bons dos ruins é, em muitos aspectos, o que fazemos todos os dias dentro de nós.
Acolher o que é bom, o que nos alimenta, o que faz sentido. E deixar de lado o que machuca, o que pesa, o que não cabe mais. A vida adulta exige esse filtro constante. Só que, diferente da infância, agora o barulho ao redor é maior, e às vezes nos esquecemos de como era simples encontrar alívio na repetição de um gesto pequeno.
Outro dia, enquanto eu repetia esse mesmo ritual, meu filho se aproximou e começou a passar as mãozinhas pelos grãos. "É gostoso, mãe (aqui deixarei a palavra mãe para que meu nome continue oculto, mas meu filho não a usa para falar comigo)", ele disse, sorrindo. Eu sorri de volta, tentando conter a emoção. Talvez ele ainda não entenda, mas aquela sensação que ele descreveu — essa coisa boa, que ele não sabe nomear — talvez seja o que eu mesma sentia e não sabia: paz.
Naquele instante, eu não era só a mãe. Eu era também a criança. E estava ali, revivendo o acolhimento que me salvou tantas vezes.
A vida, especialmente para nós mulheres — mães, esposas, cuidadoras — muitas vezes parece um turbilhão. Mas talvez a cura esteja em resgatar os gestos simples. Talvez a paz more nos detalhes. Em parar cinco minutos. Em escolher os feijões. Em respirar. Em escrever. Em chorar quando for preciso e rir quando der.
Se você está lendo isso e sentiu um aperto no peito ou uma memória doce vir à tona, eu te convido: volte à sua bandeja de feijões. Volte ao que te fez bem. Volte para o colo que te salvou — mesmo que ele hoje só exista na lembrança. Porque ele ainda pode te salvar.
E se quiser, pode dividir sua história comigo. Aqui é um espaço de acolhimento. Estamos juntas.
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