E quando a gente dá tanto… e recebe tão pouco?

A maternidade é um mergulho profundo dentro de nós mesmas. E quando ela acontece por meio da adoção, esse mergulho pode ser ainda mais intenso. Muitas vezes, acreditamos que os maiores desafios estão no comportamento da criança. Mas... e se o maior obstáculo estiver dentro de nós?
Essa reflexão me atingiu em cheio no processo de adaptação com meu filho. Quero compartilhar essa vivência com você que está nesse caminho – seja na adoção ou na maternidade de forma geral – porque talvez o que esteja te doendo hoje, já me doeu também.
Quando decidimos adotar, percebi logo que eu e meu marido nos preparávamos de formas bem diferentes.
Eu sou a mais curiosa, estudo, leio, pesquiso tudo o que posso. Meu marido tem dificuldade de concentração e não se interessa tanto por leitura. Ainda assim, sempre foi incrível com crianças – algo que eu temia não ser.
Durante o processo, eu buscava informações, assistia vídeos sobre comportamento infantil e os desafios emocionais que viriam. Conversava com ele sobre tudo isso. Mas será que só o conhecimento técnico basta?
Sempre acreditei que terapia era importante, mas confesso que tive muitas dificuldades em encontrar um profissional com quem eu me conectasse. Tentei algumas vezes e desisti. Até que, duas semanas antes de conhecer meu filho, decidi tentar novamente.
O primeiro atendimento foi marcante. No dia seguinte, recebi a ligação que mudaria minha vida: era o nosso filho. A partir dali, muita coisa aconteceu e acabei me afastando da terapia por um tempo.
O que eu não sabia é que, com a chegada do nosso filho, emoções escondidas viriam à tona com uma força que eu jamais imaginaria.
Logo nos primeiros meses, meu marido desenvolveu uma depressão “pós-parto”. Algo difícil, confuso, e ainda pouco falado. Eu, que sempre fui ansiosa, vi meus sintomas saírem de controle.
Comecei a reviver dores da minha infância. Medos, inseguranças e traumas que eu achava já estarem curados. E no meio desse turbilhão, ainda lidávamos com o comportamento desafiador do nosso filho e um suporte técnico que nos deixava a desejar.
A verdade é que os comportamentos dele não foram o maior problema. O nosso próprio desequilíbrio emocional foi.
Quando retomamos a terapia – eu e meu marido – as coisas começaram a mudar. Voltamos a conversar sobre nós, sobre nossa história, nossas feridas. Com isso, passamos a enxergar nosso filho com mais empatia, mais clareza e leveza.
Hoje, meu marido é o "prefeito" do nosso filho (palavras dele!) e eu sou a "preferida".
Ainda não somos perfeitos, mas estamos construindo uma família com afeto, consciência e presença real.
Se você está se sentindo sozinha, sem chão, sem saber como agir, procure ajuda. Busque uma terapia, uma rede de apoio, pessoas que escutam sem julgar.
Você pode estar carregando dores que nem sabia que existiam. E elas merecem ser olhadas com carinho – por você e por quem pode te ajudar.
A maternidade, a paternidade, nos transformam. E essa transformação dói. Mas também cura, fortalece e cria vínculos verdadeiros.
A adaptação da criança adotada é um processo, sim. Mas não subestime o quanto a sua própria adaptação como mãe ou pai é essencial. Quando olhamos para dentro com coragem, tudo ao redor começa a mudar.
Se permita sentir, curar e se transformar. Porque educar, no fim, é também um grande reencontro com quem somos.
Com carinho,
Além das Cinzas
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