E quando a gente dá tanto… e recebe tão pouco?

Sou mulher, esposa e mãe. Em junho de 2022, escrevi um relato que nasceu da dor, da exaustão e da confusão emocional. Naquele momento, eu acreditava que estava desistindo. Tive medo, senti culpa, me senti sozinha. Mas hoje, quase dois anos depois, posso dizer que não desistimos. Estamos juntos: eu, meu marido e nosso filho. E é sobre esse processo — real, difícil e transformador — que venho falar.
Quando recebemos a ligação com a notícia de que seríamos pais, fomos tomados por uma emoção indescritível e muito medo. Chegou o nosso filho. Um garoto doce, gentil e carinhoso. Mas como em todo processo de adaptação, surgiram desafios. Um episódio de explosão emocional, na primeira semana conosco — uma mordida, fruto de frustração — nos assustou. Até então, achávamos que estávamos preparados. Mas percebemos que a equipe técnica omitiu informações (crises emocionais, um laudo falando sobre a questão cognitiva...) importantes, o que nos deixou ainda mais vulneráveis.
Seguimos nos adaptando, aprendendo com as demandas do nosso filho e tentando construir o vínculo com cuidado e presença.
O que me desestabilizou emocionalmente não foi meu filho, mas as mudanças que percebi no meu marido. Após 11 anos de casamento estável e parceiro, ele começou a apresentar sentimentos inesperados: ciúmes, desconforto, dificuldade de aproximação. Chegou a dizer que não conseguia sentir afeto, que algo dentro dele parecia travado.
Foi devastador ouvir isso. Sempre o vi como um homem sensível, afetuoso, especialmente com crianças. Não compreendia de onde vinha esse bloqueio emocional. A convivência passou a ser um grande esforço emocional para mim, tentando cuidar do meu filho e, ao mesmo tempo, sustentar meu casamento.
Foi nesse contexto, em junho de 2022, que escrevi o desabafo que muitas pessoas leram — e infelizmente, muitas julgaram. Naquele momento, eu acreditava que o processo seria interrompido. Que não conseguiríamos seguir. Me senti destruída, sem chão. Meu coração partia ao pensar em dizer adeus ao meu filho.
Disse ali, com toda a dor que sentia: “Meu filho vai partir, e com ele irá um pedaço do meu coração.”
Depois daquele texto, depois do turbilhão, decidimos buscar ajuda. Compreendemos, enfim, que não se tratava de desistência ou fracasso, mas sim de um pedido de socorro não atendido a tempo. A terapia, que eu já pedia há anos, se tornou urgente. E foi através dela que começamos, aos poucos, a reconstruir os vínculos — não só entre pai e filho, mas entre nós três como família.
O caminho não foi rápido. Ainda temos dias difíceis. Mas seguimos. Juntos. E isso é o que importa.
A adoção envolve amor, empatia, entrega — mas também nos exige olhar para dentro. Exige que lidemos com nossas feridas, medos e limitações. Por isso, hoje, reforço com ainda mais convicção o que escrevi no passado:
Façam terapia. Mesmo achando que não precisam. Façam.
Cuidar da própria saúde emocional é cuidar da criança que vai chegar. Porque vínculo não se força, mas se constrói com presença, consciência e, muitas vezes, com ajuda profissional.
A nossa teve.
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