Quando ele me chamou de mãe

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Sou mãe de um menino de onze anos. Meu menino. Esperto, lindo e cheio de vida. Mas ele carrega nos ombros uma bagagem que não pertence a nenhuma criança. Uma bagagem que o tempo, a fome, a ausência e a solidão colocaram sobre ele. Ele sabe o que é sentir fome. Sabe o que é não ser cuidado. Sabe o que é andar sozinho por aí, indefeso, tendo apenas a si mesmo. Antes de chegar à minha vida pela adoção, ele viveu capítulos que eu daria tudo para reescrever. E talvez por isso, até hoje, tenha dificuldade de me chamar de “mãe”. Essa palavra parece morar numa prateleira alta demais, inalcançável para ele. Mas na madrugada de sábado para domingo, algo aconteceu. Ele estava com febre. Dormia inquieto, murmurando palavras que vinham de algum lugar entre sonho e delírio. Eu estava ali, ao lado dele, cuidando, sentindo sua respiração quente, atenta a cada movimento. E então… aconteceu. Ele me chamou de Mãe . Foi só uma vez. Baixinho. Quase como se fosse para si mesmo. E naquele instante, o ...

Adoção e Emoções Reais: O Relato de Junho de 2022 e o Caminho que Escolhemos Seguir

Adoção e emoções reais

Quando a adoção nos confronta com nossos limites

Sou mulher, esposa e mãe. Em junho de 2022, escrevi um relato que nasceu da dor, da exaustão e da confusão emocional. Naquele momento, eu acreditava que estava desistindo. Tive medo, senti culpa, me senti sozinha. Mas hoje, quase dois anos depois, posso dizer que não desistimos. Estamos juntos: eu, meu marido e nosso filho. E é sobre esse processo — real, difícil e transformador — que venho falar.


O início: alegria, expectativas e um susto inesperado

Quando recebemos a ligação com a notícia de que seríamos pais, fomos tomados por uma emoção indescritível e muito medo. Chegou o nosso filho. Um garoto doce, gentil e carinhoso. Mas como em todo processo de adaptação, surgiram desafios. Um episódio de explosão emocional, na primeira semana conosco — uma mordida, fruto de frustração — nos assustou. Até então, achávamos que estávamos preparados. Mas percebemos que a equipe técnica omitiu informações (crises emocionais, um laudo falando sobre a questão cognitiva...) importantes, o que nos deixou ainda mais vulneráveis.

Seguimos nos adaptando, aprendendo com as demandas do nosso filho e tentando construir o vínculo com cuidado e presença.


A maior surpresa: os comportamentos que vieram dos adultos

O que me desestabilizou emocionalmente não foi meu filho, mas as mudanças que percebi no meu marido. Após 11 anos de casamento estável e parceiro, ele começou a apresentar sentimentos inesperados: ciúmes, desconforto, dificuldade de aproximação. Chegou a dizer que não conseguia sentir afeto, que algo dentro dele parecia travado.

Foi devastador ouvir isso. Sempre o vi como um homem sensível, afetuoso, especialmente com crianças. Não compreendia de onde vinha esse bloqueio emocional. A convivência passou a ser um grande esforço emocional para mim, tentando cuidar do meu filho e, ao mesmo tempo, sustentar meu casamento.


O momento mais difícil: o desabafo de junho de 2022

Foi nesse contexto, em junho de 2022, que escrevi o desabafo que muitas pessoas leram — e infelizmente, muitas julgaram. Naquele momento, eu acreditava que o processo seria interrompido. Que não conseguiríamos seguir. Me senti destruída, sem chão. Meu coração partia ao pensar em dizer adeus ao meu filho.

Disse ali, com toda a dor que sentia: “Meu filho vai partir, e com ele irá um pedaço do meu coração.”


Mas ele não partiu. E nós também não.

Depois daquele texto, depois do turbilhão, decidimos buscar ajuda. Compreendemos, enfim, que não se tratava de desistência ou fracasso, mas sim de um pedido de socorro não atendido a tempo. A terapia, que eu já pedia há anos, se tornou urgente. E foi através dela que começamos, aos poucos, a reconstruir os vínculos — não só entre pai e filho, mas entre nós três como família.

O caminho não foi rápido. Ainda temos dias difíceis. Mas seguimos. Juntos. E isso é o que importa.


Adoção é amor, mas também é responsabilidade emocional

A adoção envolve amor, empatia, entrega — mas também nos exige olhar para dentro. Exige que lidemos com nossas feridas, medos e limitações. Por isso, hoje, reforço com ainda mais convicção o que escrevi no passado:

Façam terapia. Mesmo achando que não precisam. Façam.

Cuidar da própria saúde emocional é cuidar da criança que vai chegar. Porque vínculo não se força, mas se constrói com presença, consciência e, muitas vezes, com ajuda profissional.


Se você está no processo de adoção ou enfrentando dificuldades…

Eu te digo com o coração aberto: você não está sozinha.
A dor que você sente pode ser compartilhada, acolhida, tratada. Não se cobre perfeição. Nem toda história começa fácil. Mas muitas podem ter recomeços bonitos e verdadeiros.

A nossa teve.


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